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3 de janeiro de 2008

Neurociências a serviço do mercado

A investigação da atividade cerebral mostrou as áreas que devem ser estimuladas para tornar um produto altamente desejável. E, lançando mão do neuromarketing, uma centena de empresas já utilizam esses conhecimentos para vender sempre mais
Marie Bénilde

Reza a lenda que, em outubro de 1919, Lenin teria visitado o fisiologista Ivan Pavlov para ver como os trabalhos desse sobre os reflexos condicionados do cérebro podiam contribuir para a concepção do “novo homem” que os bolcheviques tentavam moldar na época. O cientista talvez servisse à propaganda do regime, associando, por meio de estímulos externos, pulsões instintivas a automatismos de transformação coletiva. Na verdade, Pavlov não foi de nenhuma valia para os bolcheviques, mas esse caso, verdadeiro ou falso, ilustra um fantasma que rondou o século 20: o da possessão de espíritos pela manipulação do inconsciente. Tal coisa permitiria vencer todas as resistências que podem acompanhar o uso da razão crítica. Desde então, uma propaganda é considerada eficaz quando percebe que sua assimilação será melhor se o receptor for psicologicamente condicionado a engoli-la — e a torná-la como sua.
As sociedades democráticas baniram de sua língua comum a palavra “propaganda”, que ficou associada apenas aos governos totalitários. No entanto, a exploração do cérebro com fins mercantis e a conseqüente manipulação das massas mostram que a sociedade de consumo não está longe disso. Ainda nos lembramos da famosa frase de Patrick Le Lay, presidente do canal francês TF1, que admitiu, em 2004, que sua rede tentava vender à Coca-Cola o “tempo de cérebro humano disponível”. O exemplo dessa marca — parceira privilegiada do TF1 — não se deve absolutamente ao acaso. No verão de 2003, Read Montague, neurologista do Baylor College of Medicine de Houston, mostrou que, se num blind test gustativo a concorrente Pepsi era a preferida, o inverso ocorria assim que se identificava claramente a bebida como sendo Coca-Cola. Os participantes da experiência declaravam então preferir o refrigerante das cores vermelha e branca.
Desse modo ficou demonstrada a superioridade da marca considerada como ás do branding, essa técnica que visa expor um logotipo no máximo de suportes, levando-o, até mesmo, a se imiscuir nos conteúdos (filmes, séries). Para estabelecer a conexão entre a imagem da marca e a estimulação do cérebro, a ciência recorreu a técnicas até então utilizadas com finalidades médicas para a detecção de tumores ou de acidentes cerebrais, como, por exemplo, imagens por ressonância magnética (IRM). Monitorando a atividade cerebral de seus pacientes, Montague observou que a região precisa do cérebro requisitada quando a pessoa via uma marca, o córtex pré-frontal médio, apelava para a memória e tinha um papel importante nos processos cognitivos. Por outro lado, o blind test gustativo envolvia a área cerebral denominada “putâmen ventral”, ligada à idéia de recompensa. A partir de abril de 2004, a Faculdade de Medicina de Baylor organizou em Houston o primeiro simpósio internacional consagrado às aplicações das imagens cerebrais ao marketing.
Três anos antes, em Atlanta, cidade onde fica a sede da Coca-Cola Company, o instituto Brighthouse, fundado pelo publicitário Joe Reyman, criava um grupo de especialistas encarregado de comercializar os ensinamentos de marketing extraídos das neurociências. O diretor científico do instituto, Clint Kilts, chegou às mesmas conclusões de seu colega de Houston, localizando no córtex pré-frontal médio a zona cerebral que reage às imagens publicitárias. Mas ele observou que essa reação é ainda mais significativa pelo fato de o sujeito se identificar com a imagem do produto, sendo tentado a dizer “isso é exatamente eu” [
1]. A famosa região-chave do neuromarketing é efetivamente associada à auto-imagem da pessoa e ao seu conhecimento íntimo de si mesma (assim, por exemplo, os pacientes que têm o córtex pré-frontal médio lesado depois de um acidente sofrem freqüentemente perturbações da personalidade). Como explica Annette Schäfer na revista Cerveau et Psycho, “eis aqui o motor do comércio. O córtex pré-frontal médio nos faz gostar do que os outros gostam. Assim, conseguir estimulá-lo poderia ser um objetivo importante de uma campanha publicitária perfeita” [2]. Por isso, o córtex pré-frontal médio é para os neuromarqueteiros a pedra filosofal de uma alquimia perfeita: a operação que consiste em transformar todo o amor por si mesmo enquanto si mesmo (o narcisismo) em amor por si mesmo enquanto outro (o objeto publicitário).
Segundo Olivier Oullier, pesquisador de neurociências da Florida Atlantic University, existe atualmente uma centena de empresas no mundo que utilizam as técnicas do neuromarketing [
3]. Contudo, elas são muito discretas com relação às experiências realizadas, temendo levantar uma onda de reprovação na opinião pública. Em 2003, por exemplo, uma dessas empresas, a Daimler Chrysler, confiou ao Centro Hospitalar de Ulm, na Alemanha, a tarefa de escanear cérebros submetendo imagens de carros sofisticados a uma dezena de homens.
Constatou-se então a importância do “núcleo accumbens”, região ligada à sensação de recompensa. A experiência mostrou que o objeto de consumo pode se assemelhar a um objeto de desejo por meio de um verdadeiro processo de personificação. “Quando olhavam os carros, estes lhes lembravam rostos; os faróis pareciam um pouco com os olhos”, expõe Henrik Walter, psiquiatra da Universidade de Ulm, a propósito dos indivíduos investigados [
4]. Os publicitários viram nisso a confirmação de um procedimento amplamente utilizado: é preciso reforçar nas peças publicitárias a correlação instintiva entre desejo sexual e pulsão de compra. “O consumidor deve poder sentir a marca, agarrar-se a ela como um amante”, afirma, sem sorrir, Kevin Roberts, diretor executivo da Saatchi & Saatchi [5].
Esses empreendimentos de validação científica da publicidade devem ser levados a sério? O fato é que, aos olhos dos profissionais, eles têm o mérito de aumentar a garantia da difusão de mensagens publicitárias na mídia, num momento em que a internet permite, clique após clique, seguir as pegadas do comportamento do consumidor. Assim, o neuromarketing nasce do encontro entre executivos de empresas preocupados em legitimar internamente suas despesas de comunicação, agências de publicidade desejosas de valorizar sua contribuição (a agência BBDO, de Dusseldorf, trabalha com o conceito de brainbranding, que tenta determinar como certas marcas entram na memória episódica do cérebro) e grandes mídias inquietas com o aumento do poder dos novos vetores de comunicação.
O sindicato francês da publicidade televisada, presidido por Claude Cohen, também presidente da TF1 Publicité, há algum tempo se interessa pelo que chama de “mecanismos de memória não conscientes”. Por meio do instituto privado Impact Mémoire, que se esforça por tirar partido das “técnicas de imagens funcionais cerebrais”, realizou um estudo com 120 pessoas sob o pretexto de testar a sua acuidade visual. Enquanto as cobaias tentavam detectar quadradinhos verdes em telas de computadores, difundiam-se intermitentemente publicidades num lugar bem visível. Paralelamente, a mesma experiência era realizada com spots de rádio e cartazes.
Como sugere a lógica, a mídia que associa som e imagem é a que obtém a melhor pontuação de memorização inconsciente das mensagens publicitárias. Um dos fundadores do Impact Mémoire, Bruno Poyet, resumiu o propósito do teste. Segundo ele, “a atenção é necessária a uma boa retenção mnésica. Uma conotação emocional forte acentua a atenção. Uma grande carga emocional gera a secreção de certas substâncias pela amígdala e essas substâncias favorecem a memorização” [
6].
É esse contexto “emocional”, propício à publicidade destinada a donas de casa de menos de cinqüenta anos, que a TF1 procura criar em seus programas. Em novembro de 2003, o canal publicou na imprensa especializada um anúncio com uma frase eloqüente: “Uma publicidade inserida no meio de um programa do TF1 obtém 23% de memorização suplementar”. O neurologista Bernard Croisile, outro fundador da Impact Mémoire, lembra que se “nenhum estudo existente permite provar que o conteúdo de uma emissão condiciona a resposta às publicidades que virão a seguir […] o que se pode dizer é que, quando estamos numa situação emocionalmente positiva, retemos melhor os elementos positivos, do mesmo modo como os depressivos assimilam melhor as informações negativas [
7]. Trata-se, portanto, de oferecer ao telespectador a sua dose de emoção prazerosa.
Assim, a implicação das neurociências — ou de seus avatares — nas indústrias da publicidade tem um futuro auspicioso diante de si. Em março de 2007, a Omnicom, líder mundial da publicidade, lançou na França a agência de consultoria em mídia PHD. Essa rede, surgida na Grã-Bretanha, apóia-se num aplicativo de neuroplanning criado a partir de estudos realizados por meio de ressonância magnética. A PHD pretende mostrar às empresas as zonas do cérebro que devem ser estimuladas de acordo com os objetivos de suas campanhas e das mídias utilizadas.
O conhecimento íntimo do cérebro do consumidor não pode ter outro resultado senão incitar as empresas, e os responsáveis por sua publicidade, a transcender os limites que normalmente lhes são reservados para comunicar. Na verdade, a excelência das condições de receptividade de uma marca é julgada tanto maior quanto menos o “alvo” tem consciência de ser visado. É isso que explica o avanço do advertising”, esse cruzamento híbrido da publicidade com o entretenimento, do qual se tem um exemplo recente no jogo da França com a Argentina, realizado no Stade de France durante a Copa do Mundo de Rugby. Jovens modelos vestidas com roupas íntimas dançaram nos degraus, seguidas atentamente pelas câmeras do TF1, numa “criação” da agência de publicidade Fred-Farid Lambert para a marca Dim.
O merchandising, a inserção de produtos nos conteúdos de filmes, séries de tevê etc., também ganha terreno, como testemunha o surgimento de contratos globais ligando produtores, difusores e anunciantes. Em 2001, o conglomerado da Procter & Gamble fechou um contrato de 500 milhões de dólares com o grupo Viacom e a cadeia CBS para introduzir seus produtos nos cenários. Quatro anos depois, foi a vez de a Volkswagen investir 200 milhões de dólares para pôr seus veículos nos filmes dos Estúdios Universal e de sua cadeia, a NBC. Em 2005, a filial francesa da central de compras de espaço Aegis criou também a Carat Sponsorship Entertainment para introduzir a publicidade no conteúdo dos programas e torná-la mais bem aceita pelo consumidor. Ela foi imitada em 2007 pela filial Havas Entertainment.
Se ainda se supõe que o Conselho Superior do Audiovisual da França cuida de proibir qualquer publicidade clandestina na televisão, a transposição para a lei francesa da diretriz européia Televisões sem Fronteira, anunciada para 2008, promete autorizar definitivamente a inserção de produtos nos programas, como escancaradamente acontece nos Estados Unidos. O limite diário de doze minutos de publicidade para cada hora deverá assim ser abrandado de modo a permitir a difusão de mais publicidade durante o horário nobre. Paralelamente, prosperam emissões como Question Maison (França 5) ou Du Côté de Chez Vou (TF1), que devem sua existência exclusivamente à entrada da marca Leroy Merlin na produção de conteúdos. É claro que o inconsciente do telespectador não foi reivindicado abertamente. Mas, por trás do telespectador, ainda e sempre, é o consumidor que se busca.


[1] Ver “There is a sucker born in every medial prefrontal cortex”, The New York Times Magazine, 26 de outubro de 2003.
[
2] “Vous avez dit neuromarketing?”, Cerveau et Psycho n.º 7, setembro-novembro de 2004.
[
3] Ver “Neuromarketing: les bases d’une discipline nouvelle”, em 20 de fevereiro de 2007.
[
4] Ver “There is a sucker born in every medial prefrontal cortex”, The New York Times Magazine, 26 de outubro de 2003.
[
5] Stratégies, Issy-les-Moulineaux, 11 de novembro de 2004.
[
6] Ver o site da associação das agências de consultoria de comunicação.

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3 de janeiro de 2008

Neurociências a serviço do mercado

A investigação da atividade cerebral mostrou as áreas que devem ser estimuladas para tornar um produto altamente desejável. E, lançando mão do neuromarketing, uma centena de empresas já utilizam esses conhecimentos para vender sempre mais
Marie Bénilde

Reza a lenda que, em outubro de 1919, Lenin teria visitado o fisiologista Ivan Pavlov para ver como os trabalhos desse sobre os reflexos condicionados do cérebro podiam contribuir para a concepção do “novo homem” que os bolcheviques tentavam moldar na época. O cientista talvez servisse à propaganda do regime, associando, por meio de estímulos externos, pulsões instintivas a automatismos de transformação coletiva. Na verdade, Pavlov não foi de nenhuma valia para os bolcheviques, mas esse caso, verdadeiro ou falso, ilustra um fantasma que rondou o século 20: o da possessão de espíritos pela manipulação do inconsciente. Tal coisa permitiria vencer todas as resistências que podem acompanhar o uso da razão crítica. Desde então, uma propaganda é considerada eficaz quando percebe que sua assimilação será melhor se o receptor for psicologicamente condicionado a engoli-la — e a torná-la como sua.
As sociedades democráticas baniram de sua língua comum a palavra “propaganda”, que ficou associada apenas aos governos totalitários. No entanto, a exploração do cérebro com fins mercantis e a conseqüente manipulação das massas mostram que a sociedade de consumo não está longe disso. Ainda nos lembramos da famosa frase de Patrick Le Lay, presidente do canal francês TF1, que admitiu, em 2004, que sua rede tentava vender à Coca-Cola o “tempo de cérebro humano disponível”. O exemplo dessa marca — parceira privilegiada do TF1 — não se deve absolutamente ao acaso. No verão de 2003, Read Montague, neurologista do Baylor College of Medicine de Houston, mostrou que, se num blind test gustativo a concorrente Pepsi era a preferida, o inverso ocorria assim que se identificava claramente a bebida como sendo Coca-Cola. Os participantes da experiência declaravam então preferir o refrigerante das cores vermelha e branca.
Desse modo ficou demonstrada a superioridade da marca considerada como ás do branding, essa técnica que visa expor um logotipo no máximo de suportes, levando-o, até mesmo, a se imiscuir nos conteúdos (filmes, séries). Para estabelecer a conexão entre a imagem da marca e a estimulação do cérebro, a ciência recorreu a técnicas até então utilizadas com finalidades médicas para a detecção de tumores ou de acidentes cerebrais, como, por exemplo, imagens por ressonância magnética (IRM). Monitorando a atividade cerebral de seus pacientes, Montague observou que a região precisa do cérebro requisitada quando a pessoa via uma marca, o córtex pré-frontal médio, apelava para a memória e tinha um papel importante nos processos cognitivos. Por outro lado, o blind test gustativo envolvia a área cerebral denominada “putâmen ventral”, ligada à idéia de recompensa. A partir de abril de 2004, a Faculdade de Medicina de Baylor organizou em Houston o primeiro simpósio internacional consagrado às aplicações das imagens cerebrais ao marketing.
Três anos antes, em Atlanta, cidade onde fica a sede da Coca-Cola Company, o instituto Brighthouse, fundado pelo publicitário Joe Reyman, criava um grupo de especialistas encarregado de comercializar os ensinamentos de marketing extraídos das neurociências. O diretor científico do instituto, Clint Kilts, chegou às mesmas conclusões de seu colega de Houston, localizando no córtex pré-frontal médio a zona cerebral que reage às imagens publicitárias. Mas ele observou que essa reação é ainda mais significativa pelo fato de o sujeito se identificar com a imagem do produto, sendo tentado a dizer “isso é exatamente eu” [
1]. A famosa região-chave do neuromarketing é efetivamente associada à auto-imagem da pessoa e ao seu conhecimento íntimo de si mesma (assim, por exemplo, os pacientes que têm o córtex pré-frontal médio lesado depois de um acidente sofrem freqüentemente perturbações da personalidade). Como explica Annette Schäfer na revista Cerveau et Psycho, “eis aqui o motor do comércio. O córtex pré-frontal médio nos faz gostar do que os outros gostam. Assim, conseguir estimulá-lo poderia ser um objetivo importante de uma campanha publicitária perfeita” [2]. Por isso, o córtex pré-frontal médio é para os neuromarqueteiros a pedra filosofal de uma alquimia perfeita: a operação que consiste em transformar todo o amor por si mesmo enquanto si mesmo (o narcisismo) em amor por si mesmo enquanto outro (o objeto publicitário).
Segundo Olivier Oullier, pesquisador de neurociências da Florida Atlantic University, existe atualmente uma centena de empresas no mundo que utilizam as técnicas do neuromarketing [
3]. Contudo, elas são muito discretas com relação às experiências realizadas, temendo levantar uma onda de reprovação na opinião pública. Em 2003, por exemplo, uma dessas empresas, a Daimler Chrysler, confiou ao Centro Hospitalar de Ulm, na Alemanha, a tarefa de escanear cérebros submetendo imagens de carros sofisticados a uma dezena de homens.
Constatou-se então a importância do “núcleo accumbens”, região ligada à sensação de recompensa. A experiência mostrou que o objeto de consumo pode se assemelhar a um objeto de desejo por meio de um verdadeiro processo de personificação. “Quando olhavam os carros, estes lhes lembravam rostos; os faróis pareciam um pouco com os olhos”, expõe Henrik Walter, psiquiatra da Universidade de Ulm, a propósito dos indivíduos investigados [
4]. Os publicitários viram nisso a confirmação de um procedimento amplamente utilizado: é preciso reforçar nas peças publicitárias a correlação instintiva entre desejo sexual e pulsão de compra. “O consumidor deve poder sentir a marca, agarrar-se a ela como um amante”, afirma, sem sorrir, Kevin Roberts, diretor executivo da Saatchi & Saatchi [5].
Esses empreendimentos de validação científica da publicidade devem ser levados a sério? O fato é que, aos olhos dos profissionais, eles têm o mérito de aumentar a garantia da difusão de mensagens publicitárias na mídia, num momento em que a internet permite, clique após clique, seguir as pegadas do comportamento do consumidor. Assim, o neuromarketing nasce do encontro entre executivos de empresas preocupados em legitimar internamente suas despesas de comunicação, agências de publicidade desejosas de valorizar sua contribuição (a agência BBDO, de Dusseldorf, trabalha com o conceito de brainbranding, que tenta determinar como certas marcas entram na memória episódica do cérebro) e grandes mídias inquietas com o aumento do poder dos novos vetores de comunicação.
O sindicato francês da publicidade televisada, presidido por Claude Cohen, também presidente da TF1 Publicité, há algum tempo se interessa pelo que chama de “mecanismos de memória não conscientes”. Por meio do instituto privado Impact Mémoire, que se esforça por tirar partido das “técnicas de imagens funcionais cerebrais”, realizou um estudo com 120 pessoas sob o pretexto de testar a sua acuidade visual. Enquanto as cobaias tentavam detectar quadradinhos verdes em telas de computadores, difundiam-se intermitentemente publicidades num lugar bem visível. Paralelamente, a mesma experiência era realizada com spots de rádio e cartazes.
Como sugere a lógica, a mídia que associa som e imagem é a que obtém a melhor pontuação de memorização inconsciente das mensagens publicitárias. Um dos fundadores do Impact Mémoire, Bruno Poyet, resumiu o propósito do teste. Segundo ele, “a atenção é necessária a uma boa retenção mnésica. Uma conotação emocional forte acentua a atenção. Uma grande carga emocional gera a secreção de certas substâncias pela amígdala e essas substâncias favorecem a memorização” [
6].
É esse contexto “emocional”, propício à publicidade destinada a donas de casa de menos de cinqüenta anos, que a TF1 procura criar em seus programas. Em novembro de 2003, o canal publicou na imprensa especializada um anúncio com uma frase eloqüente: “Uma publicidade inserida no meio de um programa do TF1 obtém 23% de memorização suplementar”. O neurologista Bernard Croisile, outro fundador da Impact Mémoire, lembra que se “nenhum estudo existente permite provar que o conteúdo de uma emissão condiciona a resposta às publicidades que virão a seguir […] o que se pode dizer é que, quando estamos numa situação emocionalmente positiva, retemos melhor os elementos positivos, do mesmo modo como os depressivos assimilam melhor as informações negativas [
7]. Trata-se, portanto, de oferecer ao telespectador a sua dose de emoção prazerosa.
Assim, a implicação das neurociências — ou de seus avatares — nas indústrias da publicidade tem um futuro auspicioso diante de si. Em março de 2007, a Omnicom, líder mundial da publicidade, lançou na França a agência de consultoria em mídia PHD. Essa rede, surgida na Grã-Bretanha, apóia-se num aplicativo de neuroplanning criado a partir de estudos realizados por meio de ressonância magnética. A PHD pretende mostrar às empresas as zonas do cérebro que devem ser estimuladas de acordo com os objetivos de suas campanhas e das mídias utilizadas.
O conhecimento íntimo do cérebro do consumidor não pode ter outro resultado senão incitar as empresas, e os responsáveis por sua publicidade, a transcender os limites que normalmente lhes são reservados para comunicar. Na verdade, a excelência das condições de receptividade de uma marca é julgada tanto maior quanto menos o “alvo” tem consciência de ser visado. É isso que explica o avanço do advertising”, esse cruzamento híbrido da publicidade com o entretenimento, do qual se tem um exemplo recente no jogo da França com a Argentina, realizado no Stade de France durante a Copa do Mundo de Rugby. Jovens modelos vestidas com roupas íntimas dançaram nos degraus, seguidas atentamente pelas câmeras do TF1, numa “criação” da agência de publicidade Fred-Farid Lambert para a marca Dim.
O merchandising, a inserção de produtos nos conteúdos de filmes, séries de tevê etc., também ganha terreno, como testemunha o surgimento de contratos globais ligando produtores, difusores e anunciantes. Em 2001, o conglomerado da Procter & Gamble fechou um contrato de 500 milhões de dólares com o grupo Viacom e a cadeia CBS para introduzir seus produtos nos cenários. Quatro anos depois, foi a vez de a Volkswagen investir 200 milhões de dólares para pôr seus veículos nos filmes dos Estúdios Universal e de sua cadeia, a NBC. Em 2005, a filial francesa da central de compras de espaço Aegis criou também a Carat Sponsorship Entertainment para introduzir a publicidade no conteúdo dos programas e torná-la mais bem aceita pelo consumidor. Ela foi imitada em 2007 pela filial Havas Entertainment.
Se ainda se supõe que o Conselho Superior do Audiovisual da França cuida de proibir qualquer publicidade clandestina na televisão, a transposição para a lei francesa da diretriz européia Televisões sem Fronteira, anunciada para 2008, promete autorizar definitivamente a inserção de produtos nos programas, como escancaradamente acontece nos Estados Unidos. O limite diário de doze minutos de publicidade para cada hora deverá assim ser abrandado de modo a permitir a difusão de mais publicidade durante o horário nobre. Paralelamente, prosperam emissões como Question Maison (França 5) ou Du Côté de Chez Vou (TF1), que devem sua existência exclusivamente à entrada da marca Leroy Merlin na produção de conteúdos. É claro que o inconsciente do telespectador não foi reivindicado abertamente. Mas, por trás do telespectador, ainda e sempre, é o consumidor que se busca.


[1] Ver “There is a sucker born in every medial prefrontal cortex”, The New York Times Magazine, 26 de outubro de 2003.
[
2] “Vous avez dit neuromarketing?”, Cerveau et Psycho n.º 7, setembro-novembro de 2004.
[
3] Ver “Neuromarketing: les bases d’une discipline nouvelle”, em 20 de fevereiro de 2007.
[
4] Ver “There is a sucker born in every medial prefrontal cortex”, The New York Times Magazine, 26 de outubro de 2003.
[
5] Stratégies, Issy-les-Moulineaux, 11 de novembro de 2004.
[
6] Ver o site da associação das agências de consultoria de comunicação.

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